Atendendo a algumas respostas apreciativas e inúmeras ignorativas, aqui está......

03 novembro 2013

Os donos do poder na USP

Quando comecei a dar aulas na USP nos anos 1990, a Escola Politécnica era dominada pela ideia do engenheiro que dava aulas. Não que os dirigentes da Escola fossem necessariamente engenheiros de destaque, ou mesmo que dessem aulas. Porque a universidade já tinha passado por um processo de profissionalização e de burocratização - a figura dos engenheiros profissionais e dos professores "amadores" era mais presente no imaginário politécnico do que entre os dirigentes.

Menos presentes ainda eram os pesquisadores. Porque a ideia de pesquisa e inovação na engenharia ainda era remota. Vivíamos um complexo de vira-lata, pelo qual cabia ao engenheiro brasileiro seguir ordens, e no máximo copiar o que já existia lá fora com algumas décadas de atraso. Os donos do poder se orgulhavam de subir na carreira sem nunca terem escrito um paper; ou de fazerem pirataria e engenharia reversa. A luta pelo poder exigia dedicação total, incompatível com a pesquisa ou ensino - se bem que os poderosos davam um jeito de se autoconferirem honrarias acadêmica pelas atividades às quais nem sempre tinham se dedicado. Aliás escapar à carga didática sempre foi uma das motivações da busca pelos cargos.

O estamento burocrático usava esse conceito do engenheiro que dava aulas para resistir à modernização da escola de engenharia. Porque pressões havia. O corpo docente estava se renovando, com exposição às universidades internacionais. A inovação se fazia necessária pelo esgotamento do esquema da auto-suficiência tecnológica - o desastre completo que foi a reserva de mercado para informática fica como exemplo perfeito mas não único. E as sucessivas crises econômicas levavam os estudantes a questionarem o modelo de ensino moldado para atender com precisão milimétrica as necessidades do mercado de trabalho, só que da geração anterior.

Hoje a Escola Politécnica, como parte da USP, avançou muito na direção de tornar-se uma universidade de pesquisa. O estamento burocrático da universidade incorporou a publicação de papers como objetivo fundamental da academia. Em proveito próprio, é necessário dizer. A pesquisa interessa enquanto pode ser quantificada, mensurada, e usada como medida para distribuição de pequenos favores e meias-entradas. Estes por sua vezes servem de moeda de troca para subir na carreira universitária e ocupar cargos. O que entra nos relatórios de pesquisa é a engenharia de Lattes do CNPq e Qualis da CAPES. O conteúdo da pesquisa enquanto inovação, seja para a ciência, seja para benefício da sociedade, muitas vezes fica perdido, e é o que menos importa para a contabilidade acadêmica de publicações. A salamização da ciência, as auto-citações, até o auto-plágio e eventuais fraudes, evitar isso importa menos do que a quantificação - pretensamente objetiva - da pesquisa científica. Pena - temos excelentes cientistas, e um sistema que não sabe distinguir eles dos picaretas.

O estamento se renovou. Mudou de ideias, aparentemente. Os donos do poder são outras pessoas. Mas os métodos continuam os mesmos, inclusive na auto-premiação, a maior das caricaturas. E as consequências para o ensino dos futuros engenheiros também. A demanda por mais pesquisa na universidade acabou tomando uma nova dimensão, além da imaginação.
Witness Mr. Henry Bemis, a bookish little man whose passion is the printed page. In just a moment, Mr. Bemis will have a world all to himself... without anyone. The best laid plans of mice and men... and Henry Bemis... the small man in the glasses who wanted nothing but time to do his research... in the Twilight Zone.

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