Atendendo a algumas respostas apreciativas e inúmeras ignorativas, aqui está......

18 julho 2013

Trauma de repartição

Confesso: tenho medo de preencher formulário oficial e mais ainda de comparecer em repartição. Me estraga o dia anterior inteiro. Não é culpa dos funcionários públicos. As moças que atendem nas repartições - a maioria são mulheres mais novas que eu - são educadas, prestativas, e só ajudam a resolver os problemas que possam aparecer. Os procedimentos são burocráticos, talvez desnecessariamente complicados, mas não irracionais. Sei que não há nada a temer porque se por um acaso excepcional eu fosse tratado de maneira kafkiana não haveria grande dificuldade em reparar a injustiça. O Brasil é uma democracia e, se algum erro fizer isso necessário, não consigo imaginar grandes obstáculos para contatar autoridades superiores, dentro do executivo, do legislativo, e do judiciário, na cidade, no estado, ou na união. Racionalmente não há porque ter medo de barnabé.

Nem sempre foi assim, mas desde a Constituição cidadã do Dr Ulysses o tratamento nas repartições só tem melhorado. Consulado, passaportes, polícia federal, imposto de renda, justiça eleitoral, prefeitura, poupatempo, o pior que acontece é perder tempo na fila e ter que voltar outro dia. O atendimento é quase tão razoável quanto nas repartições análogas nos Estados Unidos, muitas vezes mais simpático embora sempre mais burocrático e complexo. Ter que comparecer a uma repartição americana me faz menos mal, com certeza porque a compreensão de que o governo americano é do povo, pelo povo, e para o povo está mais arraigada. Acrescento que o serviço público americano também sempre mostra que está do lado do cidadão, do qual se exige apenas o cumprimento da lei.

O medo é irracional, mas mesmo quando se trata só de preencher um formulário via internet, qualquer glitch de software me dá nó no estômago. É o trauma de ter nascido numa ditadura e ver na televisão aqueles fascistas que mandavam em nós sem ter nenhuma legitimidade. Agora com sua licença vou tomar um maracujá.

11 julho 2013

Cheguei na frente do grande @Romário11 ;-)

Numa sequência de tweets, o grande @Romario11, a quem muito admiro, escreveu:
Na terça, um grupo de deputados se reuniu com o Sr. Marin em Brasília. A reunião aconteceu na calada da noite e poucos foram informados. Até aí, tudo bem. O problema é eles tratarem no foro privado, um assunto que é de interesse público! Afinal, a anistia das dívidas dos clubes brasileiros com o Governo é ou não de interesse público? Mas alguns ainda preferem discutir este assunto longe dos olhos da população. E Marin parece estar cobrando fatura: http://on.fb.me/134H7K2
Sei como meu ídolo se sente. Já me fizeram isso na Poli uma vez, quando fui nomeado para uma comissão sobre ensino de engenharia. Um professor da engenharia de computação e outro da eletrotécnica fizeram as reuniões sem me avisar, imaginando que poderiam depois impor o resultado da discussão em portas fechadas a um professor mais novo e supostamente sem autonomia. O resultado é que fizeram uma proposta sem eira nem beira que não levou a nada. Não vou escrever nomes, cada um que suba à épura mongiana e se projete a si próprio em verdadeira grandeza.

Agora fazer isso com um recém doutor novinho é uma coisa. Com quem já fez mais de mil gols e teve 150 mil votos, é outra. Ambas vergonhosas, de maneira diferente.

A queda do governo islâmico no Egito

As várias causas imediatas para a deposição extrajudicial do governo da Irmandade Muçulmana no Egito incluem: a incompetência e autoritarismo do governo Morsi; a insatisfação popular com a crise econômica que se prolonga desde o fracasso completo do sistema nasserista; possível sabotagem de opositores; e o pouco respeito que tanto a Irmandade Muçulmana como as Forças Armadas egípcias têm pelas instituições democráticas.

É fundamental enfatizar que essas causas próximas são consequência de um fator mais fundamental: a religião não serve de base para um governo eficaz e com respeito ao cidadão. Não tem como servir, não serve, e nunca serviu.

Os esquerdistas na Europa e nas Américas associam o obscurantismo islâmico com o terrorismo e o anti-semitismo, para eles armas na luta terceiromundista contra o assim-chamado imperialismo, e portanto tendem a apreciar os regimes islâmicos. O desgoverno em países considerados subdesenvolvidos é um pequeno preço que os árabes devem pagar na luta global contra as liberdades burguesas, segundo a esquerda, que em geral aplaude a tomada do poder por fundamentalistas islâmicos.

Já a direita vê a religião como ópio do povo: uma forma de suprimir e controlar os anseios populares por liberdade e justiça. Os conservadores criticam os regimes teocráticos no Oriente Médio apenas por serem islâmicos; é puro racismo. Pelas injustiças e supressão das liberdades eles têm simpatia, e gostariam de duplicar aqui em casa, talvez em menor grau.

A religião pode servir como suporte para a ética privada, individual ou coletiva, mas nem o dogma religioso nem sua contraparte, o dogma anti-religioso, nunca serviram para a boa condução do estado. Isso vale para toda religião. Os partidos apenas nominalmente cristãos da Europa acumulam tanto mais fracassos quanto mais levam a sério a denominação. Todos os sucessos de Israel se devem ao governo republicano liberal, e ao lado dos fracassos andam as tentativas de controlar o país usando facções religiosas. Na América Latina, quando a igreja se associa de perto aos governos, em geral às ditaduras, sempre erra. A Índia é um país não rico, mas bem sucedido; o Paquistão é um desastre. E não há melhor exemplo do que confrontar os Estados Unidos da América, engendrado por cristãos ligeiramente observantes, mas de qualquer forma bastante tolerantes, com as distorções dos que querem introduzir subrepticiamente o cristianismo como religião oficial.

Não custa repetir: a única forma de construir um regime estável, não opressivo, e funcional é a democracia liberal representativa, que reconhece e aceita todas as crenças e descrenças, sem se basear em nenhuma delas. Todas as demais ideologias desembocam em ditadura de partido único, teocracia, ou caudilhismo personalista, e conduzem à catástrofe.

10 julho 2013

Goodbye transactions

After a decade of solid support for work and play, I am recycling 3 volumes of the IEEE Transactions to open space for evolving technologies. Think of the photos as a memorial, and preparation for a future adieux to more volumes.

Placeholder for book reviews

I may get around to writing something about history books I read recently - environmental history in particular. The ones below are certainly very instructive.

The World Until Yesterday: What Can We Learn from Traditional Societies? by Jared Diamond (who by the way went to the same elementary school as my daughters).

American Canopy: Trees, Forests, and the Making of a Nation, by Eric Rutkow.

Genesis 1948: The First Arab-Israeli War, by Dan Kurzman.

Lawrence and Aaronsohn: T.E. Lawrence, Aaron Aaronsohn, and the Seeds of the Arab-Israeli Conflict,  by Ronald Florence.

Engineers of Victory: The Problem Solvers Who Turned The Tide in the Second World War, by Paul Kennedy.

I also read on dynamical systems, partial differential equations, and geometry, and I hope to write what I learned from those in a scientific publication. I don't read a lot of fiction, and I write about fiction even less. This post is a mere placeholder.

09 julho 2013

Ordens e contraordens

De todas as mandâncias do atual governo federal, a mais reveladora e preocupante é o decreto aumentando a duração do curso de medicina para 8 anos. Não tanto pelos 2 anos a mais; entre residências e especializações praticamente obrigatórias, o estudo de medicina já leva mais do que os 6 anos nominais. Não acredito que o aumento da duração nominal do curso vai ser um grande obstáculo, ou que necessariamente afastará estudantes da carreira médica.

Do meu ponto de vista, são melhores os resultados da prática americana (estadunidense setentrional para vocês anti-imperialistas), na qual medicina, direito, e arquitetura (embora não engenharia) são cursos profissionais feitos após uma graduação de formação geral em assuntos relacionados. Acho que a engenharia nos Estados Unidos se beneficiaria de uma estrutura semelhante, e que deveríamos pensar em incorporar alguns desses conceitos nas escolas profissionais no Brasil. Portanto, não considero que o aumento da duração do estudo de medicina seja por si só indesejável.

Não inspira confiança o ranço neo-polpotista da proposta: obrigar todo mundo que usa óculos a sair da cidade e ir trabalhar no campo sob supervisão do benevolente grão-timoneiro. Um ponto crucial é que a imposição presidencial não se aplica apenas a algum grupo de bolsistas ou beneficiários de escolas de medicina subvencionadas pelo contribuinte, sobre os quais se poderia argumentar que assumem de vontade própria uma obrigação com o Estado. Obedecendo o decreto, todos os médicos seriam forçados a trabalhar para o governo por 2 anos, por uma remuneração fixada por lei e não negociada individualmente ou pela categoria profissional. Essa é uma deixa para o engenheiro constitucionalista atacar o decreto, mesmo sem muita esperança que a corporação das leis cumpra sua missão de invalidá-lo peremptoriamente. A obrigação de trabalhar para o governo viola o espírito de diversas garantias constitucionais:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social... Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Art. 5o. XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XLVII - não haverá penas: ... c) de trabalhos forçados;

Me parece também que a Constituição diz implicitamente que todos os impostos devem ser pagos em dinheiro. A imposição de trabalho, mesmo que compensado financeiramente, é uma forma de imposto, portanto fora das possibilidades da União. Salvo erro meu, não há proibição explícita contra o trabalho obrigatório na Constituição, mas o direito de trabalho livre está assegurado implicitamente, impedindo a União de coagir um profissional a trabalhar para o SUS como condição para validação de seu diploma.

Mais do que o conteúdo da proposta, preocupa a forma como foi feita. Um decreto presidencial não é modo de conduzir uma reforma na medicina. A grande virtude das corporações profissionais é terem códigos de conduta e procedimentos específicos que elevam a profissão acima de governos, empresas, e partidos políticos. Medicina em particular é uma profissão complexa; é difícil imaginar que o voluntarismo de um político, eleito e bem intencionado que seja, consiga melhorar a prática da medicina e seu ensino, na ausência de discussões prévias e de um consenso entre os conhecedores da realidade da profissão.

A figura do decreto-lei ou medida provisória já é problemática do ponto de vista da separação dos poderes da República e do bom funcionamento das instituições. Nesse caso complexo, importante, mas de nenhuma forma urgente, o decreto usurpa as funções do congresso e interfere na autonomia das associações acadêmicas e profissionais. É emblemático das dificuldades nas quais o governo está se metendo após gastar a assim-chamada herança maldita: quer governar por decreto, forçando soluções mirabolantes para problemas complexos que exigem o esforço de toda a sociedade, não apenas uma medida administrativa.

04 julho 2013

Manifestantes

Um manifestante passeava numa mídia social,
Vendo que curtiam, chamou os companheiros.

Dois manifestantes passeavam passeavam numa mídia social,
Vendo que curtiam, chamaram os companheiros.

Três manifestantes passeavam passeavam passeavam numa mídia social,
Vendo que curtiam, chamaram os companheiros.

Quatro manifestantes passeavam passeavam passeavam passeavam numa mídia social,
Vendo que curtiam, chamaram os companheiros.

Cinco manifestantes passeavam passeavam passeavam passeavam passeavam numa mídia social,
Vendo que curtiam, chamaram os companheiros.

02 julho 2013

A Constituição da Islândia

Li a Folha hoje porque minha irmã publicou um artigo. Encontrei também um artigo com um erro grosseiro sobre reforma constitucional. Na incerteza de que a Folha publique uma correção, registro aqui:
Ao contrário do que afirma Vladimir Safatle no artigo "Medo das massas", as propostas de reforma constitucional na Islândia não chegaram a um resultado aceitável pelos eleitores. Continua em vigor a Constituição islandesa de 1944. 
A constituição "crowdsourced" não avançou muito justamente porque a proposta era desorganizada, talvez até um pouco caótica, e de qualquer modo uma nova constituição não era prioridade do eleitor. A ideia de que a Islândia é governada por uma constituição escrita por 950 pessoas escolhidas ao acaso é uma peça da imaginação fantástica do articulista.

01 julho 2013

Ataque ao espantalho

Comentário sobre o artigo "Por que o Brasil não deve cair na falácia do voto distrital".

Bobagem. A falácia do argumento do cara é chamada de "straw man", ataque ao espantalho. Ele procura problemas no voto distrital nos Estados Unidos e Inglaterra para dizer que não funciona. É mais ou menos como quem grita "Jean Charles" a cada vez que a polícia brasileira comete uma atrocidade. Como a polícia inglesa matou um brasileiro, a polícia brasileira tem o direito de matar um inocente a cada meia hora.

Todo sistema de voto tem seus defeitos. A vantagem do voto distrital é que mesmo se o seu candidato não ganha seu voto não é perdido: quem ganhou é seu representante, e tem que lutar para mudar sua opinião para a próxima eleição. Nos Estados Unidos a renovação é baixa porque a eleição é a cada 2 anos, e os eleitores em geral ficam satisfeitos com seus deputados. Quem vota contra é por oposição ideológica. Os representantes não podem se afastar demais do eleitorado local, nem ideologicamente nem na atuação prática, senão perdem a maioria.

No voto proporcional, ou semi-indireto, o dono do cargo não é nem o eleitor, nem o deputado, nem o próprio Tiririca, nem as centenas de candidatos quasi-fantasmas que não têm chance de ganhar mas concorrem só para gerar massa de votos para o partido. O dono do mandato é o dono do partido, são os donos do poder que montaram esquemas e coligações. Por isso os donos do poder querem fazer o voto indireto, em lista fechada, apesar de ser inconstitucional; mas se isso não der certo, deixar como está, de preferência com mais dinheiro do contribuinte para complementar o caixa 2.

Mais uma coisa: quando ele critica, é com base em afirmações vagas sem comprovação tipo "estudos mostram". Quando ele elogia o voto proporcional, é com base na experiência democrática russa do Putin.