O texto sobre a "Esculimia do Candido Mendes" reproduzido abaixo pode ser lido diretamente nas páginas da instituição. Dispensa comentários.
Apresentação
Ao completar 100 anos, a SBI pode dar o balanço do que é a sua vida como instituição, no que marca a sua diferença, a sua "idéia de obra" ou a sua imagem, de um país de memória fraca e de imaginário estereotipado. Até os anos 20, a SBI - mantenedora da Universidade Candido Mendes - se identificava, na prática com o desenvolvimento da Academia de Comércio do Rio de Janeiro, ou, na corruptela em que chegava ao povo a "Esculimia do Candido Mendes ". Nasciam as duas entidades em 1902, ambas pioneiras. Uma, a desdobrar pela primeira vez no país e para as classes médias em começo de expansão, a idéia de um curso profissional. Fugia-se ao padrão das clássicas carreiras liberais do amadorismo das atividades clássicas de balcão de mercancias no Rio de Janeiro ainda mofino, às vésperas da grande explosão urbana do Prefeito Passos.
A escola, o progresso, os balconistas e os guarda-livros
Os Estatutos da sua mantenedora - a Sociedade Brasileira de Instrução - ficam, até hoje, como modelo de rigidez e criatividade, na enxuteza de sua fórmula e, ao mesmo tempo, na funcionalidade da ambição: servir ao ensino como empenho universal em todas as modalidades da sua excelência e no que fosse sinais dos tempos de novas demandas e especializações. Foi esse o embrião institucional que mereceu, de Rodrigues Alves, uma das primeiras outorgas do privilégio de utilidade pública, bem como o direito a utilizar próprio nacional, ensejando a instalação da Academia na antiga Ucharia do Paço do Carmo. Restauramos o prédio, tirando-lhe a máscara de estuque da Belle Epoque, devolvendo à cidade, no Largo do Paço, o prístino da fachada de 1593. Instituição, a nossa Casa, por força, se reconhece o direito às vaidades. No que é, no espelho, os caminhos que apartou desde o começo e que lhe permitem, por ricochete ou contraste, situar a singularidade de seu propósito.
Desde sempre contra os vendedores de água.
Desde 1902 recusamo-nos a ser um empreendimento lucrativo. Organizamo-nos ao fio da prestação mais barata - senão simbólica - para atender à fome de ensino da baixa classe média, dos caixeiros e balconistas, que acorriam à carreira nova e à profissionalização capaz de levar-lhes a segurança do emprego e o melhor de seu conhecer. De logo, Candido Mendes Sênior, o Conde, advertia os seus de que educador não é vendedor de água. Ou seja, aproveitador da dramática escassez desses serviços nos países subdesenvolvidos, a transformá-lo sobrepreço possível, não sobrelucro acintoso à pobreza nacional.
Os condes apaixonados
Pertinaz, desde saída, aprumou-se o orgulho bem delimitado do nosso fazer. Nascia a Casa de uma clara atmosfera intelectual. A de professores católicos e monarquistas, decididos a desenvolver uma visão liberal e privada do ensino a disputar a hegemonia pública, em que se esgotaria a diretriz positivista - republicana do regime inaugurado em 1889. Bana-se o estereótipo fácil, e não se veja a Academia como respondendo a um ideal agnóstico e de classes médias emergentes, encontrando a atividade da educação como veículo de sua mobilidade social. Nasce a SBI dessa perspectiva. Surge do idealismo dos condes pedagogos, ciosos da sua aristocracia do espírito. Os Condes Mendes de Almeida, Fernando e Candido, o Conde de Afonso Celso, o de Ouro Preto, o Conde Carlos de Laet, todos enobrecidos pelo papado, no reconhecimento do trabalho pela defesa da Igreja que realizavam, multiplamente, os idealizadores da Sociedade Brasileira de lnstrução.
O pioneirismo permanente
Fidelidade, de saída e nunca desmentido pela exploração das Ciências Sociais. Algumas vezes, inclusive, sem que, sequer, se conhecesse no país a sua designação. Data de 1919 o propósito de se criar uma Faculdade de Ciências Políticas no país quando, só nos 60, essa nomenclatura típica de uma visão anglo-saxônica e do campus americano prosperava e definia um novo padrão de desempenho e especialização científica entre nós. Criada a primeira Faculdade de Economia e Contabilidade Superior no país, junto com a Álvares Penteado em São Paulo, mantivemos, até o fim do Varguismo, o papel de provedores do currículo final dessas disciplinas. Pressentimos o estudo científico do poder a, finalmente, se transformar na primeira pós-graduação de Ciência Política no país em 67, a que se somava a de Sociologia no mesmo grau de exigência acadêmica. Ideamos, como Clark Kerr, a multiversidade, não o perfil clássico e pobre dos estudos apinhados num campus único. Pensamos num padrão nítido e contido da nossa oferta básica de Ciências Sociais - Direito, Economia, Administração, Contabilidade Superior, Pedagogia - na sua matriz da Praça XV.
A multiversidade e o gigantismo estudantil
Moveu-nos a idéia de reproduzir esse mesmo módulo de excelência e tradição, bateado há mais de meio século, a outras áreas do espaço do Rio de Janeiro. Reproduzimo-lo em Ipanema, oferecendo outra opção de ensino em área tradicionalmente delimitada entre a tarefa da PUC e da Santa Úrsula. Continuamos com o implante em Campos e em Friburgo. Presidiria toda a expansão a idéia de se criar um primeiro espaço didático privado, a cobrir progressivamente toda a dimensão do Estado. Tratava-se, ao mesmo tempo, de evitar as tristes migrações, estudando dentro do Rio de Janeiro com o risco, muitas vezes, de cortar na flor - com a falta de volta à terra matriz - vocações, no Norte ou no Centro Fluminense, capazes de dar o melhor de si, se retomassem, de fato, ao meio em que despontaram.
O pré-IUPERJ e o Museu Comercial
Nos Estatutos abrangentes não quisemos apenas, de logo, ser a Casa tradicional, de estrito ensino e preleção. Muito antes do atual preceito constitucional, dávamos a prova prática de que a plena atividade de educação envolveria, ao mesmo tempo, ensino, pesquisa e extensão. Esta, a praticamos desde entre as duas guerras mundiais, criando o Museu Comercial, disseminando as amostras de novos artefatos da industrialização - menina e criando, com as montras, o serviço de disseminação das nossas excelências no Prata. Ganhou o Museu Comercial o grande prêmio latino - americano de comércio exterior pela qualidade das vitrines que enviou a Montevidéu, às vésperas do primeiro centenário da independência.
Ao se criar a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas em 02 de junho de 1919 - primeiro ramo já da nossa trajetória universitária - , assentava-se o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Plantava-se a semente, de forma profética. Entendiam os fundadores que de nada adiantaria a formalidade da transmissão do conhecimento, sem o choque da experimentação num país acostumado à exaustiva reprodução dos modelos de além-mar e ao disfarce apelintrado da realidade, em que se apoiava. Insistimos na promessa e na teima do que veio a ser, em 1963, a concretização, sob a mesma sigla, da primeira organização privada de pesquisa em Ciências Sociais, que é a da nossa Casa das excelências, hoje, na Rua da Matriz.
A côngrua e o serviço pelo custo
Uma "idéia de obra", pois - medula mesma do que seja a persona institucional -, decanta-se neste quarto de século; no que, em querendo, criamos, em marcas já que transcendem as paredes da Casa. Sem saber inventamos, por exemplo, a economia dos chamados "serviços pelo custo", que vem finalmente, a partir de 1972, a se transformar no padrão das mensalidades escolares e do lucro controlado de um empresário essencialmente social como o do ensino.
Meio século após, o bom senso governamental levava à norma a prática dos fundadores da SBI, a fazer jus ao fim do mês quase côngrua a divisão do cobrado quase simbolicamente do aluno pelo número efetivo de assistentes às aulas despojadas.
Lutando contra o inverno da polêmica
No fio do dizer, não calamos no autoritarismo, buscamos o engenho contra o inverno da polêmica que emudeceu o Brasil, seu debate e suas franquias de espírito, a partir de 64. Durante o negror dos Atos institucionais, pôde a Candido Mendes convidar diversos pensadores internacionais, manter em dia a inquietação do conhecer brasileiro e rasgar-lhe as exigências do humanismo. Arnold Toynbee, Gunnar Myrdal, o juiz Douglas, Edgar Morin, Bob Kennedy, Paul Rosenstein-Rodan, Georges Lavau, Everet Hagen, Samuel Huntington, Alex lnkeles, Talcott Parsons, todos, proto-personas deram-nos a sua palavra e o rumo dos seus conheceres, num país emudecido. Na década que se inicia 64 recrutávamos,anualmente, maior número de vozes do mundo que todo conjunto dos demais campi brasileiros.
Enfrentava-se a nacionalidade tecnocrática e suas sanções a bem das ideologias pasteurizadas. Não tínhamos verbas nem subsídios a receber dos orçamentos governamentais, tal como, neste mesmo limite, podíamos - Heleno Fragoso à frente - acolher nas nossas cátedras grandes vozes da universidade pública, cassados ou reduzidos ao silêncio nas suas matrizes de origem.
A casa feroz das suas liberdades
São dez décadas de uma velha paixão pela excelência que se guarnecem de uma fatura quase de educadores excêntricos, ou de devotos da sua exclusiva convicção do que seja o melhor serviço. Na sua premonição, ou na teima dos valores do passado, nos cursos e teores do aprendizado oferecido, mantivemos o Direito Romano e abrimos os primeiros cursos de Direito Público Econômico. Insistimos na Deontologia Jurídica e implantamos o primeiro curso de Prática Forense - o FUCAM -, antes das práticas dos exames de ordem e das castrações uniformizadoras da OAB.
Casa feroz na sua sede de liberdade; dos velhos, sem medo das aposentadorias compulsórias da carreira didática, tratada com preferência e ineditismo, no Rio de Janeiro, à margem dos favores ou das benesses do dono. Casa da comunidade e não da ação-entre-amigos. Feroz nas suas crenças e na verdade intransitiva de uma paixão e de um donaire tão altivo como pobre, no que herdamos, nesta faina e nesta obsessão, de Candido Mendes Sênior (l902-1939) e de Candido Mendes Júnior (1939-1962).
Candido Mendes
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