Considere uma ditadura, isto é, um regime impopular que se mantém no poder pela força. Vamos admitir como fato experimental o seguinte
Postulado: Nenhuma ditadura se mantém indefinidamente no poder com manifestações populares constantes contra o regime.
Teorema da tolerância relativa à violência: Uma ditadura se mantém no poder se e somente se a tolerância do governo à violência for maior do que a tolerância da população à violência.
Prova: Um regime impopular toma medidas impopulares, que geram manifestações contrárias, apesar da existência de um aparato repressivo. Uma vez iniciadas as manifestações, as opções do governo são as seguintes:
1 - Revogar as medidas impopulares. Isso é uma contradição com a hipótese de que o governo é impopular.
2 - Permitir as manifestações, se o governo não estiver disposto à aumentar a violência da repressão. Nesse caso o regime muda, pelo postulado.
3 - Reprimir as manifestações através do uso de mais força. Nesse caso a população tem 2 opções:
a) Desistir das manifestações. Nesse caso o regime continua no poder, conforme o enunciado do teorema.
b) Continuar as manifestações anti-governo apesar do aumento da violência. Caímos no dilema original, no qual o governo precisa optar entre o recrudescimento da repressão ou permitir as manifestações.
O caso nulo da recursão é quando não há manifestações contra as medidas impopulares. Este é o caso em que a tolerância da população à violência é menor que a do regime, analogamente à alternativa a).
O teorema está demonstrado por recursão (indução matemática). QED
Exemplos onde a tolerância do governo à violência foi menor que a tolerância popular: a queda do Xá da Pérsia em 1979, derrubada do muro de Berlim, e do ditador a Tunísia essa semana.
Exemplos da situação oposta: Hungria 1956, Tchecoslováquia 1968, Pérsia 2009.
Previsão para o futuro: O Fidel amoleceu depois da doença. Se os cubanos resolverem se manifestar contra o regime, o regime não está disposto a aplicar muita violência contra a população. Não sei se é o acontecimento mais provável, mas seria o mais interessante.
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10 comentários:
é facil transformar seu problema em um jogo. dois jogadores, população e governo impopular. o primeiro decide entre manifestar-se ou não. o segundo entre ceder (revogar medidas), reprimir as manifestações ou tolera-las. vou ver no que dá.
abas
sgold
Prof., mas e a China? Em meu ponto de vista, é um regime ditatorial que permanecerá por muito tempo, uma vez que várias gerações já foram doutrinadas. Nem a Internet, nem a Globalização, conseguiram derrubar a crença dos chineses em seu governo forte e centralizado. Meus colegas chineses que estudam aqui nos EUA acreditam piamente que a unidade da China deve ser mantida (incluindo Taiwan e Tibet) e que o governo chinês é o melhor que existe no mundo...
Bom, pela análise da série histórica a propensão do governo maoísta à violência não tem limites. Então mesmo que o povo quisesse mudar o regime - o que como você indica é duvidoso - seria arriscado se manifestar contra. Então nesse caso as condições do teorema se verificam.
acho que o teorema ficaria mais claro se substituísse "tolerancia do governo à violencia" por "propensao do governo à violencia".
no caso da china, o governo atual não é impopular.
no caso de cuba nao sei. mas o governo tb nao me parece impopular.
interessante é o caso da chechenia: os manifestantes sao muito tolerantes à violencia, e a Russia parece igualmente propensa à violencia.
infelizmente, o caso do Oriente Medio parece semelhante.
mas do jeito que está, o teorema nao abrange o interessante caso em que o governo está propenso à violencia, mas nao tem mais os meios, isto é, quando o exercito passa para o lado dos manifestantes. é o que acontece nas revolucoes vitoriosas.
o governo é sempre propenso à violencia, por definicao - é ele que tem e exerce o monopolio das forças de coercao.
no caso do ira (1979), Tunisia (ontem), portugal (74) foi assim: a policia e as forcas armadas mudaram de lado.
acho que o seu teorema se aplica melhor às revoltas anticoloniais. tipo argelia, angola. chega uma hora que o governo nao tem mais como convencer seus soldados que a luta vale a pena.
abs
sgold.
Exato, quando o ditador está propenso a cometer atos violentos mas o exército não tolera cometer, as manifestações continuam, levando à queda do regime.
O governo chinês é impopular o suficiente para precisar massacrar estudantes em Tiananmen e encarcerar prêmios Nobel. Claramente o povo não se dispõe a sofrer mais violência ainda, e prefere deixar tudo com está.
Se não houvesse repressão, haveria manifestações contra o regime. Se o governo tomasse medidas mais impopulares, poderia haver manifestações mesmo com a repressão.
pait:
o povo chines nao está disposto a tolerar violencias porque está enriquecendo. na proxima crise economica chinesa, que nao sei quando será, se será, veremos.
por outro lado, devem ser considerados tambem aspectos culturais. a cultura da resignacao chinesa - seja pelo confucio seja pelo taoismo - é bem conhecida.
um dos segredos da resiliencia deste grande imperio do meio é justamente a cultura da resignacao e a paciencia. talvez tambem nao sejam muito individualistas, no sentido que o ocidente dá ao termo.
eu já nao te sugeri o livro do kapuscinsky, travels with herodotus? está tudo lá.
abs
sgold
tá aqui o seu jogo (espero que dê para visualizar):
..............Governo
..............R.......NR
Povo TV...-100,-50..100,-100
.....NTV...-50,100....0,0
Onde R é Reprime, TV é tolera violencia
Nesse caso, (NTV,R) é equilíbrio de Nash.
Se o custo de R para o governo aumenta para -150, teremos dois Nash, e aí nao teremos Nash em estrategias simples, e o resultado dependerá de probabilidades. o que é mais interessante.
abs
sgold
Tá, mas isso que v. falou é tautologia. O pessoal que estuda transição, Guillermo O'Donell, ou que faz transição, Jose Gregori, estuda quais as condições para puxar mais, retrair mais, conceder mais, etc. etc. Esse post está um pouco como o dos filósofos falando de física...
O fundamental, para mim, é saber se existe sociedade civil debaixo desses protestos de rua. Associações profissionais, cultura alternativa, essas coisas que tinha (muito) no Brasil, onde até os professores de escola primária votavam na oposição. Eu, pessoalmente, estaria apavorada diante destes protestos. Não que seria contra, mais o nível de incerteza é enorme, ao menos daqui de longe é o que parece.
Em suma, não é só governo e povo. É uma gama de instituições que, nesse caso, a gente não tem a menor idéia de onde estão. Se a insatisfação era tão grande (e o governo podia ser um horror mas não era Stalin), por que não se colocavam? A impressão é de que não são lá muito organizados...
É tautologia, sem dúvida. Mas ajuda mais a entender do que muitas análises dos profissionais.
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