Pergunta para @jdborges, autor de "A Poli como ela é":
Até pouco tempo, eu era estudante de Licenciatura em Matemática no Ime-Usp. Por vários motivos abandonei o curso com o intuito de estudar para o vestibular e concorrer a uma vaga na Poli. Sou apaixonado por aplicações matemáticas e, também, por Mecânica. Assistindo a algumas aulas na Poli, ví que lá seria um lugar mais interessante para aplicar conhecimentos da área de exatas. Soube através algumas pessoas que a Poli é extremamente teórica e fiquei um pouco desprezado, contudo não desisti do sonho. Li um texto antigo escrito por você "A Poli como ela é" o qual despertou-me uma reflexão duradoura e gostaria de lhe pedir uns conselhos, ajuda ou qualquer informação que você acha útil. Na Poli, eu realmente aplicarei Matemática, Física e Química - ciências pelas quais sou apaixonado, entretanto não bitolado? Engenharia é um bom curso para quem possui estes intuitos? Sou oriundo de família pobre e escola pública. Preciso ter uma profissão que me auxilie na ajuda aos meus pais. Amo estudar - inclusive Língua Protuguesa, História, Geografia, etc. Nessas condições, o vestibular para a Poli é uma barreira intransponível? Apesar de não ter o perfil socioeconômico e idealista, descrito por você de um politécnico, você acha isso me atrapalhará no curso? E, finalmente, visto que existem outras instituições para estudar engenharia no país; também, que amo aplicações científicas da área de exatas em várias outras(com ênfase em Mecânica): Vale a pena sonhar com a Poli? Não sei se você terá tempo (ou paciência!) para responder um e-mail tão grande. Se não der, pediria que você respondesse apenas a pergunta contida no assunto.. Desculpe-me por tomar seu tempo. (Vestibulando vive cheio de dúvidas e ansioso para encontrar alguém para respondê-las, fiquei muito duvidoso ao ler seu texto e achei que poderia me ajudar.) Muito obrigado por ter lido e por ter escrito "A Poli como ela é" - Parabéns pela coragem!
Minha resposta:
O curso é o que cada aluno faz dele. A Poli? Professores bons, vários excelentes, outros mais fracos, até alguns picaretas. Alunos também: os excelentes, os bons, nem todos motivados. A organização, a burocra, é patética, horrenda, contra produtiva. Pode melhorar? Talvez. Num futuro próximo, continue imaginando as regras como inimigas dos seus estudos. Quem quer aprender, consegue. Precisa suar. Toma tempo.
Teórica? Uma boa teoria é a melhor prática. Quer sair montando carros e computadores? Procure a Foxconn. Paga uns 2 real por hora em Shenzhen. Engenharia moderna requer muito estudo. Tem muita coisa feita, quem não conhece reinventa a roda.
Hoje, sabendo o que sei, recomendaria à maioria das pessoas estudar para uma profissão aplicada. Talvez até engenharia de preferência ao direito e à medicina, cada um tem seu gosto, também gosto de economia. A imensa maioria dos diplomas da Usp são especializados demais, acadêmicos demais. Os alunos percebem e desistem, você já percebeu e desistiu. Só não percebem a Zelite acadêmica que parece não se importar com taxas de abandono enormes, com diplomas que não preparam os escassos diplomados para a vida fora da torre de marfim. Na Poli não é assim. Que o digam os alunos - a grande maioria completa o curso em 5 ou 6 anos, apesar das dificuldades, é porque veem vantagem na formação.
Vai aplicar o que aprendeu? Depende de você. Não espere achar um emprego em que usa cada curso, nem ter curso de cada coisa que seu emprego vai exigir. Matematicamente impossível preparar cada um dos milhares de politécnicos para as respectivas vidas futuras em 5 anos de aula. Receita para frustração.
Vestibular, a coisa que funciona melhor no Brasil. O pior critério de admissão para a universidade, com exceção dos demais. O vestibular não vê cor nem poupança, nem marca da roupa nem perna torta, não declina gênero, número, ou grau. Passou, entrou. Quem tem mais apoio para estudar, pode estudar mais. Quem não tem, sabe bem o que precisa fazer para chegar lá. Você sabe se dá para passar no vestibular, melhor que qualquer outra pessoa. Boa sorte!
O politécnico típico da minha época era neto de imigrante trabalhador, de família que valoriza o estudo e subiu na vida. Mas tem de tudo. Nosso diretor atual é o melhor na memória de quem está lá na Poli - de família modesta que não sabia o que é engenharia nem a Usp. Faz o que faz por mérito e dedicação. Teve diretor de família escravocrata, outro que se orgulhava de ser semi-anarfa, de nunca ter botado a mão na massa para escrever um artigo ou uma tese. Foram os 2 piores. A maioria, mais próximos da demografia do politécnico médio. Você vai encontrar de tudo lá. Prepare-se!
Das profissões a engenharia é a que menos facilita o progresso do picareta em detrimento da competência. Facilita menos, mas não impede. Nos negócios é mais fácil subir contando vantagem enquanto a firma afunda. Nas filosofias também, ficar atacando "esse sistema que está aí" sem contribuir para quem está tentando melhorar. Na engenharia, a competência tem um pouco mais de voz. Para quem tem meios materiais limitados, é uma vantagem.
E se não estudar na Poli, há outras escolas muito boas. As outras estaduais de S Paulo. Algumas das federais. As privadas mais sérias, como a Mauá e a FEI. E até todas as universidades estrangeiras, para quem tem a disposição e a energia para procurar mais longe. O tempo em que existia a Usp e ponto final acabou. O pessoal de esquerda esperneia contra a massificação do ensino - antigamente era a direita mas trocaram as posições - só que agora o gênio já saiu da garrafa. Dá para estudar e aprender em muitos lugares. Até na Poli. Vai ter companhia de muitos colegas, estudantes e professores.
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