D. Pedro II
José Murilo de Carvalho
Companhia das Letras, 2007.
R$39,00 na
Livraria Cultura (ou uma pequena fortuna na livraria do aeroporto, mas valeu o preço).
Relatos honestos sobre a vida de Pedro d'Alcântara e a obra de D Pedro II lhe são favoráveis, como indicam as sugestões bibiográficas dessa biografia recente, também bastante simpática a nosso segundo imperador. Porém, não é tão positiva a imagem que um estudante colegial faz do mais nobre dos brasileiros - corrijam-me as novas gerações educadas após o fim de ditadura se eu estiver errado. Ao reinado de Pedro II associamos a guerra do Paraguai, a escravidão, o baile da Ilha Fiscal - o atraso da monarquia num país de analfabetos. Porque a contradição entre essas visões?
Por transparência, devo declarar que sempre fui fã do "Pedrão." Quando minhas filhas perdem seus dentes de leite, de preferência a moedas mais práticas e econômicas, a fada dos dentes deixa embaixo do travesseiro patacas compradas do Sr Edgar Andersen na
Praça Benedito Calixto. A Susanna não se esquece quando, visitando o
Parque de Caraça nas Minas Gerais, e violando meu pão-durismo natural, insisti em pagar mais por um quarto onde teria dormido nosso imperador. (Recomendo ambos como destinos turísticos.)
Pedro II foi um rei republicano, deposto na velhice por um militar monarquista. Democrata, abolicionista, contrário ao racismo, favorável a educação de todos os homens e mulheres, foi um iluminista à moda antiga e um soberano à frente de seu tempo. Trabalhava pela constituição. Defendia o voto livre e distrital - por círculos como chamava em seu tempo - a liberdade de consciência e de expressão. Não por coincidência, e tal qual outros democratas que governaram no Brasil - Nassau, Juscelino, Fernando Henrique - era amigo dos judeus. Simpatizava também com o Islã, e estudava as línguas dos livros sagrados.
Se lá das terras de Brahms, Maxwell, e Poincaré algum de seus parentes europeus tivesse mostrado tanta humanidade, do que duvido, não teria feito mais do que a obrigação. Mas eles deixaram impérios que se esfacelaram em guerras; o "Habsburgo perdido nos trópicos" deixou uma república intacta e sem inimigos.
Era culto, generoso, cuidadoso com o dinheiro público, e avesso à ostentação. Virtudes que ficaram fora de moda no século 20 das ideologias extremistas, e que lhe renderam o amor do povo, mas pouco dividendo político entre as elites. Trabalhou pela abolição com o poder limitado de monarca constitucional em um país de poucas leituras. Sem muito apoio, a abolição demorou, mas a demora evitou conflitos de resultados incertos e sofrimento incalculável. Foi à guerra com relutância, mas com determinação, pela honra do Brasil. A guerra do Paraguai, última em solo brasileiro, não foi uma "guerra para acabar com as guerras"? Não podemos ler nas entrelinhas das críticas, por parte dos liberticidas que ainda têm espaço entre nossas elites intelectuais, uma admiração pelos métodos do tirano Solano López?
Quem ri de Pedro II o faz pelas caricaturas da imprensa contemporânea, e não havia mais livre no mundo da época. Não é intuitivo entender que o soberano seja mais próximo à vontade popular do que os representantes do povo, por mais viciada que seja a eleição. Em uma leitura maniqueísta da história, onde forças sobre-humanas ordenam o progresso constante na direção do tempo em que cresce a entropia, é difícil aceitar que um rei liberal tenha sido sucedido por republicanos escravagistas. E o estudo de uma época em que o imperador era cultíssimo e os súditos semi-analfabetos corre o risco de cair naquela historiografia chata de "reis e datas" que provoca sonolência todo colegial. Porém......
Ouvimos críticas a Pedro II não por seus erros, mas por seus méritos, e pelos vícios de outros.